terça-feira, 16 de maio de 2017

Análise de poema

Desastre (Cesário Verde)
Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito,
Soltando fundos ais e trêmulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito,
Pesada e secamente, em cima duns tapumes.

A brisa que balouça as árvores das praças,
Como uma mãe erguia ao leito os cortinados,
E dentro eu divisei o ungido das desgraças,
Trazendo em sangue negro os membros ensopados.

Um preto, que sustinha o peso dum varal,
Chorava ao murmurar-lhe: "Homem não desfaleça!"
E um lenço esfarrapado em volta da cabeça,
Talvez lhe aumentasse a febre cerebral.

Findara honrosamente. As lutas, afinal,
Deixavam repousar essa criança escrava,
E a gente da província, atônita, exclamava:
"Que providências! Deus! Lá vai para o hospital!"

Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos;
Mornas essências vêm duma perfumaria,
E cheira a peixe frito um armazém de vinhos,
Numa travessa escura em que não entra o dia!

Um fidalgote brada e duas prostitutas:
"Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!"
Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas
E conta-se o que foi na loja dum barbeiro.

Era enjeitado, o pobre. E, para não morrer,
De bagas de suor tinha uma vida cheia;
Levava a um quarto andar cochos de cal e areia,
Não conhecera os pais, nem aprendera a ler.

O mísero a doença, as privações cruéis
Soubera repelir - ataques desumanos!
Chamavam-lhe garoto! E apenas com seis anos
Andara a apregoar diários de dez-réis.

Anoitecera então. O féretro sinistro
Cruzou com um coupé seguido dum correio,
E um democrata disse: "Aonde irás, ministro!
Comprar um eleitor? Adormecer num seio"?

E eu tive uma suspeita. Aquele cavalheiro,
- Conservador, que esmaga o povo com impostos -,
Mandava arremessar - que gozo! estar solteiro! -
Os filhos naturais à roda dos expostos...



Análise:
Escritor realista que, neste poema em especial, faz uma crítica, social, política e econômica.  Que através de soluções estéticas e poéticas descreve o cotidiano enfatizando o social, o caos urbano, traduzido numa linguagem objetiva e de dimensão realista articulado entre o físico do moral.
Sua poesia trás aspectos negativos e trágicos de uma sociedade, injustiça sociais que vemos no caso da criança que não lhe é dada o devido respeito e é tratada com total indiferença.  Algo muito presente em suas construções é o fator "humilhação", que no trecho "Aonde irás, ministro! / Comprar um eleitor?" Cesário percebe esta situação pela exploração infantil de uma criança descendente de escravos, ajudante de pedreiro que morrera de forma trágica e ignorada pela população.


Fábio Júnior.

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