sábado, 20 de maio de 2017

Análise de poema

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade - “Poesia e Prosa” (1940 – 1986)

            Eugénio de Andrade é o pseudônimo do poeta, escritor e tradutor contemporâneo português Jose Fontinhas (1923 - 2005), conhecido pelo lirismo retratado em sua obra.
            Seu poema “Adeus” trata sobre um amor que se esgota, se acaba, como apontado no início do poema pelo eu lírico em “e o que nos ficou / não chega para afastar o frio de quatro paredes”, desse amor outrora intenso não resta nada. Ao fazer uso extensivo do verbo “gastar” ele expõe o desgaste do relacionamento – em lágrimas, em esperas, em palavras. Recorda que no “tempo dos segredos ” acreditava que tudo era possível, que seus olhos eram como peixes verdes e o corpo da pessoa amada era um aquário – seu lar – mas que agora são apenas olhos, como quaisquer outros; que todas as coisas estremeciam ao murmurar seu nome, porém já não sente mais nada disso, que nenhum dos dois tem nada para dar.
            Constata então que “o passado é inútil como um trapo”, ou seja, que não há sentido relembrar tudo o que foi, pois isso não mudará o que é no presente, onde “as palavras estão gastas”, bem como o amor que existiu, de forma que a única saída possível é o fim, o adeus.





Melisa Garcia Cita

Um comentário:

  1. Olá, pessoal
    O trabalho está bem interessante, mas ainda faltam os comentários.

    ResponderExcluir